Professora mas pouco: o que aprendi depois de um semestre

Em 2018 aceitei uma proposta que me deixava desconfortável. Não por ser uma má proposta ou sequer por ser obrigatória. Aceitei-a para sair da minha zona de conforto e compreender se a minha aversão à ideia era um preconceito infundado ou um receio real.

“Hey, gostava de te convidar para vires dar aulas.”

Nunca me considerei especialista fosse no que fosse. Estudei para isso, reuni conhecimento de outros que chegaram e fizeram antes de mim. Mas, sobretudo, testei muitas coisas, nunca hesitei em experimentar teorias que desenvolvia na minha imaginação, sem olhar a consequências nefastas, confiante de que o pior que podia acontecer era falhar redondamente e começar no preciso ponto em que o bom caminho se separara da minha ideia.

É preciso que o confesse: nunca tive paciência para ensinar. Não é um talento que me assista e, quando o faço, sinto-me condescendente, mesmo que não o seja.
“Não há nada que eu possa ensinar que qualquer um não possa procurar por si mesmo”, pensava eu. E continuo a pensar o mesmo.

No entanto, ir dar aulas trouxe-me uma visão inesperada do ensino, dos professores e dos alunos. Pôs-me em contacto com uma frustração que desconhecia: a indiferença dos que assistiam. Sem maldade, apenas uma indiferença atenta e silenciosa, sem suspiros de enfado ou conversas marginais, uma indiferença velada e não-opinativa, sem espírito crítico, sem respostas para me dar porque sem considerações dentro ou fora da sala de aula.

É neste momento em que a minha Joana otimista gosta de pensar que talvez não me tenham falado dentro daquelas paredes, por vergonha ou achando que as respostas estariam erradas. Talvez não soubessem ao certo o que perguntar. Talvez nunca tivessem pensado naquilo e eu lhes tenha conseguido plantar algo de diferente no espírito. Mas não havia respostas erradas, havia análises simples de algo que lhes é tão familiar: as redes sociais. Que pode haver de tão complexo que os deixasse tão assoberbados com as minhas perguntas right to the point?

Tinham entre os 18 e os 27 anos. Os mais novos, acabados de sair do secundário, do ensino geral ou de cursos técnico-profissionais, alguns dos mais velhos já com licenciaturas na bagagem. No dia em que nos conhecemos, garantiram-me que estavam ali porque queriam “uma profissão do futuro”, porque queriam “ter um trabalho estável”.
Quebrei-lhes os sonhos nesse primeiro dia. Nada é estável na área do digital; nem o assunto que desenvolvemos nem o salário que nos pagam. Contei-lhes que é uma área em constante renovação, que deviam ler sobre ela todos os dias, para se manterem a par, para não ficarem para trás. Quis passar-lhes, em todas as aulas, que nada do que dizia era imutável e final, que a internet é um mundo de possibilidades infinitas para aprender, que o cerne de quem trabalha no online é a constante ânsia de chamar a atenção de todos os outros que por aqui navegam em lazer.
Eles abanaram-me a cabeça de todas as vezes, mas acho que não processaram o que quis passar-lhes…

Partilhei com eles as ferramentas que uso para adicionar interesse ao meu trabalho. Essas que me custaram tanto a encontrar. Achei que dar-lhas lhes apimentaria a criatividade. Pedi-lhes que olhassem para os sites com os seus olhos de ver, que me contassem as suas histórias (quaisquer que fossem, o que quisessem!) nas stories do Instagram.
Tive direito a surpresas que me deixaram muito feliz. Histórias bem contadas e trabalhos formatados com serenidade e empenho. Infelizmente, numa turma de 23, consigo dizer-vos exatamente quais os que se dedicaram e talvez me caibam numa mão.

Não ensinei nada que qualquer um não pudesse procurar por si mesmo. Mas é preciso querer procurar!

Os alunos não sabem, mas eles têm o condão de mudar o estado de espírito de um professor. Eles podem ensinar quem passou horas a preparar as aulas sobre a realidade que os enquadra todos os dias. Podem partilhar novidades, podem fazê-los rir. Podem contar coisas de uma idade que já escapou a quem ensina, podem pô-los em contacto com o que está na berra, com o que lhes interessa, com o que preferem, o que detestam e o que os comove.
Os alunos têm um grande poder para o bem. E usam-no pouco.
Sei que todos fomos esses alunos num dia ou noutro, quando a inércia tomava conta de nós e era tão bom irmos para uma aula de forma passiva, quando ficávamos só lá sentados, a ouvir, às vezes sem pensar sobre o que ouvíamos.
Mas eu não sabia o quanto é que tudo isto poderia influenciar um professor…

Contaram-me os professores que, às vezes, há turmas incríveis com elementos com boas energias que alavancam um grupo inteiro. Outras vezes, os professores acabam a depositar as expectativas todas num ou noutro mais atento, com mais ambição ou mais talento.
Ser professor é um trabalho de vocação. Hoje não tenho quaisquer dúvidas disso. É também um trabalho de persistência, de compaixão, de paciência, que pede muita energia e muito otimismo. Ou muita capacidade de resistência à frustração ou muita alegria por passar a mensagem certa a pessoas que ainda estão a criar as suas próprias opiniões.

Tive na vida professores incríveis que nunca desistiram. Que se aplicaram nas aulas, que me fizeram gostar mais de matemática sem esquecerem o rigor, que me fizeram inscrever em mais um ano de filosofia mesmo que saísse de lá irritada, só porque me davam a oportunidade de falar e pensar por mim, mesmo que estivesse absurdamente errada. Tive professores inesquecíveis que me sorriam quando tinha boas notas, que me chamavam diretamente nas aulas para ouvirem o que tinha para dizer.
Não sabia que isto tinha sido tão importante para mim até estar do outro lado, a olhar para tantas caras que escolheram estar ali.

Estudar é uma escolha, a partir de certa altura. Deve ser uma vontade e não uma obrigação. Deve ser uma busca pelo nosso talento e não uma coisa chata que os pais nos pagam sem que o queiramos. Deve ser um passo útil para um fim decidido.

Descobri com esta experiência de um semestre que tenho esta vontade de comunicar para quem quer ouvir, perguntar e saber mais. Que o espírito crítico é afinal tão mais importante para mim do que pensava.

E até descobri que afinal as pessoas passam tanto tempo no online, agarradas às redes sociais e que, no entanto, não estão a refletir sobre nada do que lhes é oferecido ou pensado para elas. Que talvez o scroll seja um tique das mãos e não uma busca incessante pelo que lhes falta ou pelo que lhes interessa.

Aos meus alunos do ISEC Lisboa, obrigada aos que participaram, aos que se empenharam, aos que me perguntaram coisas, que duvidaram de outras. Aos que foram às aulas porque gostavam do que ia ensinando, mesmo que tivessem ficado calados de todas as vezes.

A todos os que leiam isto: a curiosidade e a coragem são o que faz o mundo andar. Não as deixem ficar para trás.

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