Falar sobre saúde mental tornou-se o novo racismo. De repente toda a gente sabe que a saúde mental é importante, que é importante falar sobre ela, empatizar com o tema, aparentar ser sensível ao tema. É claro agora que grande parte das pessoas se apercebeu que o conceito é relevante e de interesse, já que a esfera pública de comunicação tem insistido nele. Não participar no conceito de saúde mental é não querer fazer parte do lado consciente e solidário destas conversas. No entanto, na maior parte das vezes o que vejo em torno disso resume-se a um acenar de cabeça, alguns olhos franzidos que querem transmitir complacência, um esgar pensado de atenção e pouca self-awareness do que, no dia a dia, cada um faz para agir de acordo com o que pregam.
O conceito de racismo sofreu, em tempos, o mesmo tratamento. Ainda hoje sabemos sem margem para dúvidas que o racismo é mau. Sabemos de tal maneira que até os verdadeiros racistas se recusam a admitir para si esse mesmo conceito. Poucos são os que dizem “Sou orgulhosamente racista”. Não, geralmente são “orgulhosamente nacionalistas”, “orgulhosamente patriotas”. Toda a gente sabe que ser racista é errado da mesma forma que toda a gente sabe que chamar puta à mãe de um adversário é meio caminho andado para uma luta corpo a corpo. Não que a honra da mãe fique salva por causa disso, mas porque é expectável que essa provocação não passe impune.
Da mesma forma que acho interessante o valor que os conceitos ganham nas regras sociais de conduta e de personalidade de cada um de nós, estou absolutamente cansada de os ouvir atirados como factor de boa ou má índole. Dominar conceitos não é uma habilidade transcendente. Discuti-los na sua dimensão intelectualizada não os transporta para a vida real. A vida real não é feita de conceitos, é feita da ação posta em prática. Falar de saúde mental e depois dizer a uma pessoa que contou que tem depressão que “isso é uma doença crónica, vai acompanhar-te para a vida toda” é obtuso. A pessoa que se expõe não precisa de um comentário intelectualizado, precisa de empatia. A noção do conceito não representa, de facto, noção do que significa.
Isto tem se mostrado tão claro que se tornou penoso normalizar estes conceitos. Porque é como se o trabalho terminasse precisamente no início.
Hoje, toda a gente fala em produção de conteúdos, na sensibilização sobre os temas incomuns, sobre causas sociais, quebrar o tabu, dar voz às minorias. Sentem-se bem em dizê-lo, tornam-nos os seus símbolos do fazer o bem. Estão a fazer a coisa certa e, obviamente, quanto mais exposição tiverem esses símbolos, melhor. Não me interpretem mal, a exposição dos assuntos é essencial para a sua normalização; mas o que me incomoda é que os tornem símbolos de auto-elogio. Não é sincero, no fundo.
E é por isso que há dias em que já nada disto me cai bem, em que sinto que usam aquilo que intelectualizaram mas em que não acreditam para conseguirem um lugar no céu da esfera pública. E isso dá-me algum receio – porque fazer leis não é mudar a mentalidade das pessoas, porque fazer ensaios não é agir.